domingo, 8 de julho de 2012

Respondendo a perguntas: Só há uma maneira de interpretar o “Jardim do Éden”?


Se passei a ideia de que apenas uma interpretação do mito do Jardim do Éden fosse possível, então devo ter sido um tanto mal-sucedido em minha abordagem do tema. Minha intenção era justamente o oposto disso. Quis mostrar, com minha abordagem, que várias interpretações eram possíveis: claro que, por conta de minha formação e meus interesses, minha exegese está enraizada na linguagem da tradição religiosa – apesar de ser ela mesma uma exegese que faz uso dos conhecimentos históricos, de concepções metafóricas da realidade, e de minha própria apreensão da realidade.

Em nossas discussões, o mito do Éden foi analisado como base argumentativa para a construção de determinadas concepções cristãs sobre a sexualidade, a liberdade e o pecado, e por essa razão, não exploramos outros mitos semelhantes (Gilgamesh), por exemplo. Mas poderíamos ter seguido um caminho diferente se o mito per se fosse o tema da discussão.

Se deixássemos os detalhes da discussão teológica cristã de lado, poderíamos, por exemplo, enxergar o mito de Adão e Eva como uma discussão metafórica do conflito entre coletores/caçadores e agricultores: a “maçã” (ou seja lá o que foi o tal “fruto”) representa aquilo que antes era coletado livremente e agora é plantado por mulheres (Eva) – lembrem-se que é Eva quem oferece o fruto a Adão; o próprio fato de culturalmente entendermos esse fruto como “maçã” faz muito sentido: supostamente, as maçãs se originaram no Cazaquistão, se espalhando depois pelo Cáucaso; como a “macieira” (a árvore) representa o conhecimento do bem e do mal, poderíamos enxergar isso como o conhecimento necessário para se viver uma vida em assentamentos rurais, onde os homens deveriam saber o que é adequado a uma vida de agricultura (seja em termos de regras para o convívio social, que em assentamentos rurais significaria um ambiente mais populoso, seja em termos da própria atividade agrícola e pecuarista) – diferente da vida anterior como caçadores e coletores, quando estavam em número menor e certas práticas sociais eram mais toleradas; como no mito Deus não se alegra com a atividade agrícola, os homens (representados por Adão e Eva) são expulsos do Jardim – logo, há um claro conflito aí: o “autor” (i.e., os autores) defende uma visão “conservadora” de retorno ao que funcionava antes; certamente, se fosse assim, o “autor” percebe os males duma vida nos grandes assentamentos agrícolas e enxerga esses males como uma punição pela escolha feita pelo homem.

E poderíamos continuar... poderíamos pensar em incontáveis possíveis explicações para as origens do mito, e para os elementos presentes nele! Só se deve lembrar que dependendo de qual seja nosso objetivo em discutir esse mito – ou qualquer outro –, o caminho exegético que escolhemos deve ser coerente com nossos objetivos. O caminho que escolhi seguir no minicurso era o mais coerente com o que se estava discutindo (que não era o Jardim do Éden per se), mas há incontáveis possibilidades!

Grande abraço a todos!

+Gibson

sexta-feira, 6 de julho de 2012

5º Encontro - Resumo das Discussões


1) A guerra entre dois grandes teólogos:

  • AGOSTINHO DE HIPONA [354 – 430 E.C.] → Bispo de Hipona (na atual Argélia);
  • JULIANO DE ECLANO [c. 386 – c. 455 E.C.] → Bispo de Eclano (na atual Itália);
  • de 419 até a morte de Agostinho (430), Agostinho e Juliano se debateram incansavelmente através de livros, folhetos, cartas e sermões;
  • grosso modo, Juliano mantinha uma visão positiva da natureza humana, enquanto Agostinho defendia uma visão da natureza humana como decadente, caída.

“Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: 'Não mate! Quem matar será condenado pelo tribunal'. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão se torna réu perante o tribunal […]” (Mateus 5:21-26)

Teria o homem o poder de mudar seu comportamento? O poder de controlar seus instintos, de dominar a si mesmo? → Para Juliano, quando Jesus faz essas afirmações em Mateus 5, ele estaria dizendo que sim: o homem pode e deve ter domínio sobre si próprio!

Já que a morte veio, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos receberão a vida.” (1 Coríntios 15:21-22)

O último inimigo a ser destruído será a morte”. (1 Coríntios 15:26)

Agostinho, por outro lado, afirma que a morte, o sofrimento, as durezas da vida entraram no mundo por meio do pecado do homem: o homem, aparentemente, tinha um poder de alterar a própria essência da natureza por meio de sua transgressão:

“A natureza, que o primeiro ser humano feriu, é miserável. […] O que foi transmitido às mulheres não foi a carga da fertilidade de Eva, mas o peso de sua transgressão. Agora, a fertilidade opera sob esta carga, tendo caído [i.e., se afastado] da benção de Deus.” (Agostinho. Contra Julianum)

A resposta de Juliano: “O que é natural não pode ser chamado de mau.”
  • Mesmo antes do pecado, a tarefa de Adão era cultivar o jardim (Gên. 2:15), e a tarefa de Eva era ter filhos (Gên. 1:28);
  • como contrações são uma parte natural do parto, então o suor, o cansaço e a dor física são parte natural do homem.
  • “O suor é uma ajuda natural no cansaço físico, e não uma punição pelo pecado […] Alguns trabalham com esforço físico; outros, com responsabilidades.”

2) Uma Interpretação Metafórica do Mito do Éden:

Que pessoa inteligente pode imaginar que houve um primeiro dia, e depois um segundo dia, noite e manhã, sem o sol, a lua, e as estrelas? E que o primeiro dia, se faz sentido chamá-lo assim, existiu sem um céu? Quem é suficientemente bobo para acreditar que, como um jardineiro humano, Deus plantou um jardim em Éden, no Oriente, e nele colocou uma árvore da vida, visível e física, de forma que se alguém mordesse seu fruto obteria vida? E que comendo de outra árvore, conheceria o bem e o mal? E quando se diz que Deus andou pelo jardim ao anoitecer e que Adão se escondeu atrás duma árvore, não posso imaginar que alguém duvidaria que esses detalhes apontam simbolicamente para sentidos espirituais fazendo uso de uma narrativa histórica que não aconteceu literalmente.” (Orígenes [c. 184-253 E.C.]. De principiis 4.1.16.)

  • É importante lembrar que essas narrativas são mitos.
  • No estudo da religião, mitos não são mentiras, não são explicações, não são ciência primitiva, não são crenças errôneas;
  • Mitos são narrativas metafóricas sobre a relação entre este mundo e o sagrado; tipicamente falam sobre o começo e o fim do mundo, sua origem e destino, em relação a Deus;
  • mitos usam uma linguagem não-literal – significando que não narram fatos.
  • Mito e realidade não são opostos – eles andam juntos: mito = a linguagem p/falar sobre o que é fundamentalmente real. Mitos são verdadeiros, mesmo que não literalmente verdadeiros.
Caso tenham interesse em entender como a questão da relação entre mito e verdade é trabalhado por um estudioso da religião, não deixem de ler “Mito e Realidade” de Mircea Eliade – que por um descuido meu não está na lista bibliográfica que vocês receberam em seu material.

DEUS COMO CRIADOR:
  • Para os antigos hebreus: Deus é a fonte de tudo o que há.
  • Para o pensamento cristão:
1) a criação é uma origem histórica – i.e., num momento particular do passado, Deus criou;
2) a criação aponta p/uma relação de “dependência ontológica” – i.e., Deus é a fonte de toda a existência em todos os momentos do tempo (não a fonte do que acontece!).

A RELAÇÃO DEUS-MUNDO:
1) O modelo de produção: como um artista, Deus cria o universo como algo distinto de si – uma vez criado, o universo existe separado de Deus → TEÍSMO SOBRENATURAL.
2) O modelo procriativo/emanacionista: Deus origina o universo a partir de seu próprio ser – Deus não é o universo, nem vice-versa, pois Deus é mais que o universo; o universo está “em Deus” → PANENTEÍSMO (pan = tudo; en = em; theos = Deus).

A NATUREZA DA REALIDADE:
E Deus viu que era bom.”
  • O mito bíblico da criação descreve a existência em termos afirmadores;
  • o Gênesis afirma ser o mundo a boa criação do bom Deus.

A NATUREZA HUMANA:
O mito da criação afirma 2 coisas sobre nós:
1) Somos o ápice da criação, criados à imagem de Deus e recebendo domínio sobre a criação;
2) mas também somos criaturas de “terra”: adham (humanidade) deriva da palavra adhamah (chão, terra) → Gênesis 3:19 (últimas palavras ditas por Deus a Adão no Jardim).

A QUEDA:
  • O termo “queda” p/referir-se ao mito de Adão e Eva é uma criação cristã – não existe no judaísmo;
  • esse termo está associado à ideia de “pecado original” – ideia atribuída a Agostinho de Hipona – que não está presente no texto per se;
  • a ideia de “pecado original” (como ensinada posteriormente por Agostinho) não está no texto, mas algo errado acontece depois da “maçã” entrar em cena.

QUAL FOI O PECADO?
1) O primeiro ato de desobediência → o pecado é desobedecer a Deus, o legislador;
2) O primeiro ato de hubris (gr. “orgulho”) → exceder o limite próprio, dando a si o lugar que pertence ao divino (“tornar-se como Deus”), tornar-se o centro → o pecado é o egocentrismo;
3) O primeiro ato de heteronomia (o oposto de autonomia) – em relação a seguir o que diz a Serpente, no mito → o pecado é ser a “Maria vai com as outras”. [Paul Tillich]

quinta-feira, 5 de julho de 2012

4º Encontro - Resumo das discussões


1) Valentim [c. 100 - c. 160 E.C.]:

  • Mais conhecido teólogo cristão gnóstico;
  • organizou sua “escola” em Roma;
  • conclamou os cristãos a buscarem iluminação espiritual;
  • ensinava que havia 3 tipos de pessoas: espirituais, psíquicas e materiais, e que só aqueles de natureza espiritual (i.e., seus seguidores) receberiam a gnosis (o conhecimento), que faria com que retornassem à “plenitude” (Pleroma) divina.

2) Gnósticos, casamento, procriação:
Os cristãos gnósticos também eram variados:
  • alguns endorsavam o casamento e a procriação – a exemplo dos ortodoxos;
  • outros rejeitavam tais hábitos, apoiando aqueles cristãos ascetas condenados por Clemente de Alexandria, por exemplo.
3) A história do Jardim do Éden na visão da Serpente:

  • O Testemunho da Verdade”: um escrito de um autor gnóstico (desconhecido) – um manuscrito da Biblioteca de Nag Hammedi;
  • descreve a serpente como um mestre da sabedoria divina que tentou fazer com que Adão e Eva vissem a verdadeira natureza do criador.

“Está escrito na Lei sobre isso, quando Deus deu um mandamento a Adão: “Você pode comer de toda árvore, mas daquela que está no meio do Jardim não coma, pois no dia em que você comer dela, certamente morrerá”. Mas a serpente era mais sábia que todos os animais que estavam no Paraíso, e [ele] persuadiu Eva, dizendo: “No dia em que você comer da árvore que está no meio do Paraíso, os olhos de sua mente se abrirão”. E Eva obedeceu, e estendeu sua mão, pegou o fruto e comeu; e também deu a seu marido [que estava] com ela. E imediatamente souberam que estavam nus, e pegaram umas filhas de figo e usaram-nas como cintas.
Mas Deus veio à noite, caminhando no meio do Paraíso. Quando Adão o viu, se escondeu. E ele disse: “Adão, onde está você?” Ele respondeu e disse: “Vim para baixo da figueira”. E, naquele exato momento, Deus soube que ele tinha comido da árvore sobre a qual ordenara-lhe: “Dela não coma”. E ele disse: “Quem instruiu você?” E Adão respondeu: “A mulher que você me deu”. E a mulher disse: “Foi a serpente quem me instruiu”. E Deus amaldiçoou a serpente, e chamou-lhe de diabo. E ele disse: “Vamos expulsá-lo do paraíso, para que não tome da árvore da vida, e coma, e viva para sempre”.
Mas que tipo de Deus é esse? Em primeiro lugar, ele maliciosamente proibiu Adão de comer da árvore do conhecimento, e, em segundo lugar, ele disse: “Adão, onde está você?” Deus não tem conhecimento do futuro? Ele não saberia desde o começo? E depois ele disse: “Vamos expulsá-lo deste lugar, para que não coma da árvore da vida e viva para sempre”. Certamente, ele se mostra maliciosamente rancoroso. E que tipo de Deus é esse? Pois grande é a cegueira daqueles que leem, e eles não o conheciam. E ele disse: “Sou o deus ciumento; trarei os pecados dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta gerações” [cf. Êxodo 20:5]. E ele disse: “Endurecerei seus corações, e farei com que suas mentes se tornem cegas, para que não conheçam nem compreendam as coisas que são ditas”. Mas isso ele disse àqueles que acreditam nele e o servem.
E, em um lugar, Moisés escreve: “Ele fez do diabo uma serpente para aqueles que ele tem em sua geração”. Também, no livro que se chama Êxodo, está escrito assim: “Ele disputou com os mágicos, quando o lugar estava cheio de serpentes de acordo com sua iniquidade; e a vara que estava na mão de Moisés se tornou uma serpente, e engoliu as serpentes dos mágicos” [cf. Êxodo 7:8-13].
(Trechos de “O Testemunho da Verdade” - NOTA: a serpente é masculina no texto)

4) “Criados à imagem de Deus”?

→ Para Clemente de Alexandria (um “ortodoxo”), isso significa que os seres humanos têm algo que ele chama AUTEXOUSIA = o poder para constiuir-se como ser – geralmente traduzido como “livre-arbítrio” → liberdade moral.

“Uma alma sempre possui autexousia, estando no corpo ou fora dele”. (Orígenes, c. 225 E.C.)

5) O papel das mulheres no Movimento de Jesus e no Cristianismo:

  • Jesus aceitou mulheres como discípulas → implicitamente declarando que sua pureza era igual à dos homens, apesar da impureza de seu ciclo menstrual;
  • a Mishnah Nedarim 10:1-11:12 indica que as mulheres podiam participar dos estudos rabínicos, apesar de haver uma série de restrições no tocante às regras de pureza e à sua relação com o sexo oposto;
  • a diferença entre o modo como, supostamente, Jesus lidava com as mulheres e a maneira como os rabinos tradicionalmente o faziam era o seu (suposto) contato físico com essas suas seguidoras;
  • seu costume de aceitar seguidoras abriu a janela para que ele fosse acusado de impropriedade sexual – ele era agora chamado de comilão, beberrão, e amigo de cobradores de impostos e pecadores (Mateus 11:19; Lucas 7:34); essa última categoria referia-se especialmente a mulheres de comportamento sexual suspeito. Ficar sozinha com um homem num lugar privado, sem a presença duma terceira pessoa, tornavam uma mulher suspeita para alguns (Mishnah Sotah 1:2; Talmud de Jerusalém: Sotah 3:4);
  • a mulher anônima, na casa de Simão, que tocou Jesus, lavando seus pés com seus cabelos, e cujo toque Jesus aceitou, era provavelmente suspeita desse tipo de comportamento sexual suspeito (Lucas 7:36-50); ser uma mamzer, ter um noivado desfeito, ou mesmo receber um dote de valor baixo dar à mulher esse tipo de reputação vergonhosa;
  • algumas das seguidoras de Jesus, não todas, provavelmente eram vistas como pecadoras. O autor do Evangelho de Lucas dá o nome de, pelo menos, três delas (Lucas 8:1-3): Maria de Magdala (ou Madalena), na Galileia; Joana, esposa dum alto funcionário de Herodes; e Susana; além das outras não citadas por nome. Maria, de acordo com o autor desse evangelho, tinha sete demônios dos quais tinha sido curada (v. 2), e evidentemente estava entre as pecadoras; a enumeração de seus sete demônios sugerem que Jesus a havia exorcizado repetidas vezes;
  • não podemos fazer nenhuma afirmação histórica sobre se Jesus foi casado ou não com Maria Madalena – já discutimos os obstáculos para que ele se casasse com uma mulher que não fosse uma mamzer como ele –, mas é bom observar o seguinte: o contato sexual com uma mulher solteira que não fosse virgem, especialmente uma pecadora com um passado de “possessão demoníaca”, não constituiria adultério (tomar a esposa de outro) ou sedução (seduzir uma virgem solteira que fosse prometida a outro), de acordo com a Lei (Deuteronômio 22:22-29). Não sabemos se Jesus teve qualquer tipo de contato sexual com mulheres em sua vida, mas se isso aconteceu (e o universo cultural judaico do qual ele era parte não conhecia o conceito cristão de “celibato” – é bom enfatizar), Maria Madalena parece ter sido a melhor candidata – mas vou deixar essas especulações para Dan Brown!
  • A feminilidade na mente de Jesus era algo maior que uma simples questão de gênero: o pensamento judaico era o de que a imagem de Deus, impressa em cada ser humano, era masculina e feminina (Gênesis 1:27), e o Espírito (ruach) – uma palavra feminina tanto em hebraico quanto em aramaico, apesar de masculina em grego e latim (as versões utilizadas pela Igreja na construção de suas doutrinas sobre a Trindade) – era compreendido como uma mulher. Ela participou da criação juntamente com Deus (Gênesis 1:2), e era também chamada de Sabedoria (Provérbios 8:22-31). Essa era a tradição da religião praticada por Jesus, e nada indica que ele compreendesse as coisas de outra forma – pelo contrário: sua relação com as mulheres indica que ele levava isso muito mais à sério que os seus adversários. Pensem em algumas imagens utilizadas em suas parábolas: uma mulher trabalhando o fermento (Lucas 13:21); uma galinha trazendo os pintinhos para baixo de suas asas (Mateus 23:37); ele falando em nome da Sabedoria (Lucas 11:49) – todas essas são figuras extremamente femininas! Por quê?
  • Tentamos analisar a maneira como outros trechos do Novo Testamento se referiam às mulheres, tendo observado a questão das viúvas: Tiago 1:26-27 → que é um texto muito judaico em suas concepções da fé como uma ortopráxis (=prática correta); 1 Timóteo 5:3-16 → que toma um caminho diferente para lidar com as viúvas e mulheres; 1 Coríntios 14:34-35 → o clássico texto do “silêncio das mulheres” nas igrejas.
  • Outros trechos do Novo Testamento oferecem evidências sobre as funções exercidas por mulheres no Movimento de Jesus: Filipenses 4:2-3; 1 Coríntios 16:19; Atos 18:18; Atos 21:9; Romanos 16:1-4, 7 → Febe (Rom. 16:1-2), por exemplo, é chamado, no texto grego, de “adelfe” (irmã), “diakonos” (diácono) e “prostatis” (patrona, ajudadora, protetora, patrocinadora) – e esses são títulos de funções; em Rom 16:7, Júnia (nome feminino, e não masculino como insinuam algumas traduções) é chamada, juntamente com Andrônico (um homem) de apóstolo!
  • Afirmei que a história cristã é uma história de transformações que aconteceram durante um longo processo de idas e vindas – abandonos e retornos a uma tradição anterior, além da absorção de elementos da cultura na qual as igrejas estavam. Os cristianismos de hoje não são os mesmos que existiam há quase dois milênios atrás.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

3º Encontro - Resumo das Discussões


1) A diferença entre a (suposta) visão de Jesus sobre casamento e vida familiar e aquela tradicionalmente ensinada no judaísmo rabínico:

Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso! […] Vocês pensam que vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu lhes digo, vim trazer divisão.” (Lucas 12:49-51)

Alguns fariseus se aproximaram de Jesus e perguntaram, para o tentar: 'É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo?' Jesus respondeu: 'Vocês nunca leram que o criador, desde o início, os fez homem e mulher? E que ele disse: 'Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne'? Assim, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar. […] Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de fornicação, e casar-se com outra, comete adultério.” (Mateus 19:3-6, 9)

Porque dias virão, em que se dirá: 'Felizes das mulheres que nunca tiveram filhos, dos ventres que nunca deram à luz e dos seios que nunca amamentaram.'” (Lucas 23:29)

Se alguém vem a mim, e não dá preferência mais a mim que ao seu pai, à sua mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser meu discípulo.” (Lucas 14:26)
 
Jesus perguntou: 'Quem é minha mãe e meus irmãos?' Então Jesus olhou para as pessoas que estavam sentadas ao seu redor e disse: 'Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe'.” (Marcos 3:33-35)


Nossa discussão deveria ajudar-nos a responder uma questão como a seguinte: Quais as raízes dessa aparente diferença de retórica acerca do casamento e laços familiares em relação àquela exibida nos textos normativos da Mishnah Yebamot 6:6 (que discutimos ontem)?


2) O corpus literário paulino → Paulo de Tarso [c. 5 – c. 67 E.C.]

Epístolas (cartas) no Novo Testamento indiscutivelmente paulinas:
  • Romanos [58-59 E.C.]
  • 1 Coríntios [53-54 E.C.]
  • 2 Coríntios [55/56, 57/58 E.C.]
  • Gálatas [55/57 E.C.]
  • Filipenses [55-56 E.C.]
  • 1 Tessalonicenses [50-51 E.C.]
  • Filemon [55-56 E.C.]

Epístolas cuja autoria ainda é debatida:
  •  Efésios [85-95 E.C.]
  • Colossenses [c. 85-95 E.C.]
  • 2 Tessalonicenses [c. 75-100 E.C.]

Autoria paulina duvidosa:
 
  • 1 Timóteo [c. 120-130 E.C.]
  • 2 Timóteo [c. 120-130 E.C.]
  • Tito [c. 120-130 E.C.]

Autoria falsamente atribuída a Paulo:
  • Hebreus [c. 63-64 E.C.]


3) Textos paulinos usados em polêmicas recentes no meio cristão – e que afetam a vida social por servirem como base argumentativa no meio político:

26 Por isso, Deus entregou os homens a paixões vergonhosas: suas mulheres mudaram a relação natural em relação contra a natureza. 27 Os homens fizeram o mesmo: deixaram a relação natural com a mulher e arderam de paixão uns com os outros, cometendo atos torpes entre si, recebendo dessa maneira em si próprios a paga pela sua aberração.” (Romanos 1:26-27)

“9 Vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se iludam! Nem os imorais [πόρνοι: pornoi], nem os idólatras, nem os adúlteros [μοιχοὶ: moichoi], nem os depravados, 10 nem os efeminados [μαλακοὶ: malakoi], nem os sodomitas [ἀρσενοκοῖται: arsenokoitai], nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os caluniadores irão herdar o Reino de Deus.” (1 Coríntios 6:9)

“8 Sabemos que a Lei é boa, contanto que a tomemos como uma lei. 9 Ela não é destinada ao justo, mas aos iníquos e rebeldes, ímpios e pecadores, sacrílegos e profanadores, parricidas e matricidas, homicidas, 10 impudicos, pederastas, mercadores de escravos, mentirosos, para os que juram falso, e para tudo o que se oponha à sã doutrina” (1 Timóteo 1:8-10)


4) Clemente de Alexandria (um Padre da Igreja) e sua resposta às polêmicas em torno da questão do casamento no início da história cristã - sua posição contrária aos cristãos ascetas:


“Há aqueles que dizem que o casamento é fornicação e ensinam que foi introduzido pelo diabo. Orgulhosamente dizem que estão imitando o Senhor, que nem casou nem teve nenhuma possessão neste mundo, gabando-se que compreendem o evangelho melhor que qualquer outra pessoa. A Escritura diz a eles: “Deus resiste aos orgulhosos, e aos humildes dá sua graça” [cf. Tiago 4:6]. Ademais, eles não sabem a razão porque o Senhor não se casou. Em primeiro lugar, ele tinha sua própria esposa, a Igreja; e, em segundo lugar, ele não era um homem comum que precisasse de qualquer ajuda carnal. Nem era necessário, para ele, gerar filhos, já que ele vive eternamente e nasceu como o único Filho de Deus. É o próprio Senhor quem diz: “O que Deus uniu, o homem não deve separar” [cf. Marcos 10:9; Mateus 19:6]. E, novamente: “Como aconteceu nos dias de Noé, eles se casavam, e se davam em casamento, construíam e plantavam, e como aconteceu nos dias de Ló, assim será na vinda do Filho do homem” [cf. Mateus 24:37-42; Lucas 17:26-34]. E para mostrar que não está se referindo aos pagãos, ele completa: “Quando o Filho do homem vier, ele encontrará fé sobre a terra?” [cf. Lucas 18:8]. E, novamente: “Ai daquelas que estiverem grávidas e que estiverem amamentando naqueles dias” [cf. Mateus 24:19], uma afirmação, confesso, que deve ser compreendida alegoricamente. A razão pela qual ele não determinou “os tempos que o Pai reservou por seu próprio poder” [cf. Atos 1:7] foi para que o mundo continuasse de geração em geração.” (Clemente de Alexandria [c.150-c.215 E.C.], Stromata 3:49)

“Sobre as palavras: “Nem todos entendem isso. Há eunucos que nasceram assim, e outros que foram feitos eunucos pelos homens, e alguns que se fizeram eunucos por causa do reino do céu. Quem puder entender, entenda” [cf. Mateus 19:12], eles não entendem o contexto. Após suas palavras sobre divórcio, alguns perguntaram-nos se, se esta for a posição em relação à mulher, é melhor não se casar; e foi então que o Senhor disse: “Nem todos entendem isso, a não ser aqueles a quem é permitido” [cf. Mateus 19:11]. O que aqueles que perguntavam queriam saber era se, quando a esposa de um homem tivera sido condenada por fornicação, era permitido a ele casar-se com outra. Diz-se, entretanto, que vários atletas se abstiveram de relações sexuais, exercendo continência para manterem seus corpos em treinamento, como Astilos de Cróton e Crisão de Himera. Até mesmo o tocador de cítara, Amoebeus, mesmo recém-casado, manteve-se afastado de sua esposa. E Aristóteles de Cirene foi o único homem a desdenhar do amor de Laís, quando ela apaixonou-se por ele”. (Clemente de Alexandria [c.150-c.215 E.C.], Stromata 3:50)

“Portanto, Paulo fala contra aqueles que são como os que mencionei, dizendo: “Já que tendes essas promessas, amados; purifiquemo-nos de toda mancha do corpo e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor do Senhor” [cf. 2 Coríntios 7:1]. “Tenho por vós um ciúme divino, pois vos entreguei ao único esposo para apresentar-vos como virgem pura” [cf. 2 Coríntios 11:2]. A Igreja não pode se casar com outro, tendo obtido um noivo; mas cada um de nós, individualmente, tem o direito de se casar com a mulher que quiser, de acordo com a lei; quero dizer, o primeiro casamento. “Temo, porém, que assim como a serpente, em sua astúcia, enganou Eva, também os vossos pensamentos se corrompam, afastando-se da simplicidade para com Cristo” [cf. 2 Coríntios 11:3], disse o apóstolo, como um mestre cuidadoso e consciente.” (Clemente de Alexandria [c.150-c.215 E.C.], Stromata 3:74)


5) Cristãos gnósticos e sua interpretação das Escrituras:

→ EVA → pneuma: o elemento espiritual da natureza humana;
→ ADÃO → psyche: os impulsos mentais e emocionais.
PNEUMATO-PSICODINÂMICA: a interação entre a pneuma e o psyche.


Gnosticismo: o termo abrange as várias formas de pensamento religioso no Império Romano entre os séculos I A.E.C. e IV E.C., e seu centro encontrava-se em Alexandria. Todas essas formas de pensamento religioso eram marcadas pela dualidade entre o material (psyche), que era rejeitado, e o espiritual (pneuma). O pensamento gnóstico foi declarado herético pela Igreja.



terça-feira, 3 de julho de 2012

2º Encontro - Resumo das Discussões


1) Uma breve revisão do que vimos ontem.

2) Fontes de autoridade no pensamento cristão → teologicamente, nos referimos a isso como “fontes da teologia cristã”:

A teologia cristã, ou seja, o pensamento cristão – como a maioria das disciplinas teóricas – baseia-se em diferentes fontes. Tem havido uma considerável discussão na tradição cristã sobre a identidade dessas fontes, e sobre sua importância para a análise teológica. De modo geral, pelo menos três fontes são aceitas para a formação do pensamento cristão:

  • Escritura
  • Tradição
  • Razão

Um outro elemento explicitamente enumerado – no meio teológico protestante – é a “experiência”. Entretanto, para a época que estamos analisando em nosso curso, aqueles três elementos formam a base do pensamento cristão.


3) Escritura(s)

Um corpo de textos que são reconhecidos como autorizados – ou como possuindo autoridade – para o pensamento cristão, embora a natureza e a extensão de tal autoridade sejam uma questão de debate contínuo. No cristianismo, Escritura(s) é sinônimo de Bíblia.


4) Métodos de interpretação da Bíblia

EXEGESE → interpretação ou explicação crítica dum texto.

HERMENÊUTICA → teoria da interpretação, o estudo do próprio processo interpretativo.

Escola Alexandrina de Exegese Bíblica:
baseada nos métodos do autor judeu Fílon de Alexandria (c. 30 A.E.C. – 45 E.C.) e de tradições judaicas mais antigas:
interpretação literal suplementada por um apelo à alegoria – olhar através do sentido superficial da Escritura p/discernir sentido + profundo abaixo da superfície do texto;
ideias aceitas por grupo de teólogos de Alexandria: Clemente, Orígenes, Dídimo (o Cego).

Escola Antioquina de Exegese Bíblica:
→ centrada na cidade de Antioquia (na atual Turquia);
exegese à luz do contexto histórico da Escritura;
Diodoro de Tarso (? - 390 E.C.); João Crisóstomo (c. 347 – 407 E.C.); Teodoro de Mopsuéstia (c. 350 – 428 E.C.).

Exegese na Igreja Ocidental:

Ambrósio de Milão (c. 337 – 397 E.C.) – Bispo de Milão – desenvolveu uma tripla compreensão dos sentidos da Escritura:
- sentido natural;
- sentido moral;
- sentido racional/teológico.

Agostinho de Hipona (354 – 430 E.C.) – Bispo de Hipona – argumentou em favor duma compreensão dupla do sentido das Escrituras:
- sentido literal-carnal-histórico;
- sentido alegórico-místico-espiritual.

Quadriga:
método exegético padrão na Idade Média (Ocidente), baseado na distinção entre sentidos literal/histórico e espiritual/alegórico;
Quadriga = 4 sentidos da Escritura:
- sentido literal;
- sentido alegórico;
- sentido tropológico/moral;
- sentido anagógico (do gr. “anagoge” → conduzir, levar a).

Nossa abordagem exegética: Abordagem histórico-metafórica:
  • histórica – todos os métodos relevantes para discernir os sentidos históricos antigos dos textos bíblicos;
  • metafórica – uma maneira não-literal de ler os textos bíblicos.
Para nós:
Bíblia = História + Metáfora

Crítica Bíblica:
  • Investigação que busca determinar o texto, a autoria, a data, as fontes, o modo de composição, a estrutura, as categorias literárias, o estilo e o objetivo originais de um texto bíblico, usando uma variedade de abordagens relacionadas à crítica literária.
  • Organizou-se como disciplina de estudos no século XVIII, na Alemanha.

Abordagens da Crítica Bíblica:
  • Crítica Textual (Baixa Crítica): tentativa de recuperar as palavras originais dum documento dos quais temos apenas cópias.
  • Crítica Histórica (Alta Crítica): estuda a estrutura dum texto para determinar a história de sua composição (data, autoria, fontes usadas) a partir de evidências no próprio texto.

Metodologias da Crítica Histórica:
  • Crítica da fonte: tentativa de discernir as fontes + antigas de alguns textos bíblicos;
  • Crítica da forma: estudo de formas orais da tradição e seu locus nas antigas comunidades que produziram os textos bíblicos;
  • Crítica da redação: foca-se nas intenções do(s) autor(es)/redator(es) que deram ao documento sua forma final;
  • Crítica canônica: busca o sentido de passagens dentro do contexto do cânon como um todo.
  • Crítica da Tradição/Transmissão: busca analisar o processo pelo qual as tradições bíblicas passaram duma geração à outra, e da tradição oral à tradição escrita.


Abordagem Metafórica:
  • Linguagem metafórica = não-literal;
  • Linguagem Metafórica tem mais de uma nuança ou ressonância de significado, i.e., ela é multivalente, possui uma pluralidade de associações;
  • Metáfora = arte verbal/linguística;
  • Enfatiza uma verdade não necessariamente factual, i.e., verdade não é = factualidade;
  • Abordagem Metafórica enfatiza metáforas e suas associações, e inclui tipos de interpretação mais antigos (Quadriga, por exemplo).


5) As Narrativas da Criação no Gênesis:

Gênesis 1–3 → duas narrativas bem diferentes da Criação, escritas c/diferença aprox. de 400 anos:
  • Gênesis 2:4 – 3:24 → a mais antiga → c. 900 a.E.C. → chamada de narrativa “J” (por seu[s] autor[es] chamar[em] seu Deus de “Javé”) → parte duma narrativa maior das origens israelitas.

  • Gênesis 1:1 - 2:3 → c. 500 a.E.C. → chamada de narrativa “E” (por seu[s] autor[es] chamar[em] seu Deus de “Elohim”) → também parte dum bloco maior de material do Pentateuco, refletindo preocupações sacerdotais e rituais.

Uma leitura superficial da narrativa “E”:
  • Gênesis 1:1 – 2:4a
  • Terra “sem forma e vazia”;
  • Elohim cria o universo em 6 dias → numa construção literária repetida p/cada dia da criação: “Deus disse... e assim se fez... e Deus chamou... e Deus viu que era bom...”;
  • Há correlações interessantes entre o que é criado nos três primeiros dias e o que é criado nos três dias seguintes:
Dia 1: luz                               Dia 4: Sol, Lua e estrelas
Dia 2: águas e o céu           Dia 5: vida aquática e pássaros
Dia 3: terra seca                 Dia 6: criaturas terrestres
  • Homem e mulher são criados simultaneamente.
  • Elohim: “Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança...” (Gen. 1:26-27)
→ “Elohim” (plural de “El”): termo que significava tudo o que os deuses poderiam significar para os mortais;
→ Comparar esse uso pluralizado com: 1 Reis 22:19-23 – Deus como um rei cercado por sua corte.

Uma leitura superficial da narrativa “J”:
  • Gênesis 2:4b – 3:23
  • Focada na criação da humanidade, não menciona detalhes da criação do mundo;
  • O homem é criado primeiro – a criação de masculino e feminino não é simultânea;
  • Javé planta um jardim em Éden, onde coloca “adham”, dando-lhe permissão para comer de todas as árvores, exceto uma (2:17);
  • Javé cria companheiros para o homem: primeiro, os animais; depois, “heva” é criada;
  • A serpente e o “fruto” entram em cena.

Questão para refletirmos:
Por que os antigos hebreus contaram essa história, e por que contaram-na dessa forma?

6) Sexualidade, casamento e procriação:

Casamento na tradição judaica no século I E.C.:
  • Mestres judeus da época de Jesus ensinavam que certas práticas sexuais pagãs eram abomináveis: pederastia, promiscuidade e incesto;
  • Só a adoração aos deuses pagãos era mais ofensivo à sensibilidade hebraica que essas práticas;
  • O propósito do “casamento” era a procriação → as comunidades judaicas herdaram seus costumes sexuais de ancestrais nômades cuja sobrevivência dependia da reprodução;
  • De acordo com a narrativa de Abraão (Gen. 22), a grande benção prometida por Deus fora uma descendência inumerável (v.17);
  • Prostituição, certas práticas sexuais entre homens, aborto, e infanticídio – práticas legalmente toleradas entre alguns de seus vizinhos gentios – contradiziam os costumes e as leis judaicas;
  • Poligamia e divórcio aumentavam as oportunidades de reprodução – para os homens, i.e –; a lei judaica exigia que um homem que estivesse casado há 10 anos e não tivesse filhos ou divorciasse sua mulher e se casasse com outra, ou que mantivesse sua mulher estéril e se casasse com uma segunda para ter filhos.

“Um homem não se absterá do dever de ser frutífero e multiplicar, a não ser que já tenha filhos. Quanto ao número, a escola de Shammai julgou: dois homens; e a escola de Hillel julgou: um homem e uma mulher, pois está declarado nas Escrituras 'Homem e mulher Ele os criou' (Gênesis 5:2). Se um homem tomou uma esposa e viveu com ela por dez anos e ela não gerou nenhum filho, ele não pode abster-se mais do dever de procriação e deve tomar outra esposa. Se ele a divorciar, ela terá permissão de casar-se de novo, e o segundo marido pode também viver com ela por não mais que dez anos se ela não tiver filhos dele. Se ela abortar espontaneamente, o período de dez anos é contado a partir do aborto. Os homens são ordenados a cumprir o mandamento da procriação, mas não as mulheres. O Rabino Yoharan ben Benoka diz: ambos são ordenados, pois, sobre eles Ele disse “e Deus os abençoou e disse-lhes 'Sede frutíferos e multiplicai'”, incluindo, portanto, ambos no mandamento.” (Mishnah Yebamot 6:6)


NOTA: Paramos neste trecho da Yebamot, em nosso próximo encontro – espero que amanhã (dependendo de como ficará a situação de transporte na Região Metropolitana do Recife) – discutiremos as alternativas oferecidas pelo Movimento de Jesus e nos esforçaremos para alcançar o planejamento original.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

1º Encontro - Resumo das discussões

NOTA: Começamos nosso encontro com 1h15 de atraso, o que fez com que não pudéssemos tratar de tudo o que estava planejado para hoje.


1) Uma breve introdução aos temas a serem tratados no minicurso.

2) Compromissos assumidos:
  • Manutenção duma atmosfera de apreciação às diferentes (des)crenças: significando que não tomaremos opiniões alheias como ofensas às nossas opiniões pessoais, nem usaremos discursos intencionalmente ofensivos contra opiniões alheias;
  • Clareza semântica;
  • Pontualidade.

3) Nosso lema: “de omnibus dubitandum” (=duvide de tudo) → espero que possamos todos exercer uma dúvida construtiva, e não apenas desconstrutiva.

4) Ajustando nossos calendários:
A.E.C. → antes da Era Comum (=A.C. → antes de Cristo)
E.C. → Era Comum (Anno Domini)

5) Alguns termos-chave para nossas discussões:

Movimento(s) de Jesus
Cristianismo(s)
Católico/ortodoxo
Heresia/herético/herege
Escritura(s) → cânon → canônico → não-canônico
Hermenêutica ↔ Exegese
Padres da Igreja → Patrística
Mito
Metáfora

6) Religião

“Nossa definição acadêmica de religião como uma abstração separada do resto da vida, não é partilhada pela maioria dos povos passados e presentes, mas é uma invenção da modernidade. […] A religião importa para a maioria dos humanos, e devemos encontrar maneiras de representar o poder da religião, lembrando-nos que a visão da academia no que concerne à religião não é a norma global.” (TISHKEN, Joel. World History Bulletin Focus Issue and Teaching Forum, “Religion and World History”. In: World History Bulletin, Russellville (EUA), primavera 2007, vol. XXIII, nº 1, p. 5.)

“[...] O homem é um ser espiritual por excelência, buscando constantemente estabelecer uma relação com o misterioso, com o desconhecido. Se você é ateu, talvez goste de filmes de terror, ou de outras conexões com o sobrenatural. Se você é um ateu que não tem nenhum apego a coisas sobrenaturais, talvez o jogo de vôlei com os amigos ou a partida de futebol aos domingos ou ainda uma busca constante pela perfeição nos esportes ou no trabalho acabe transformando tais atividades em rituais: o sacro, aqui, é a busca de um ideal de perfeição. […]” (GLEISER, Marcelo. O fim da Terra e do Céu: o Apocalipse na Ciência e na Religião. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 31.)

Nossa definição de religião: um sistema conceptual que oferece uma interpretação – geralmente metafórica – do mundo e do lugar dos seres humanos nele, baseando uma narrativa de como a vida deve ser vivida nessa interpretação, e expressando essa interpretação e estilo de vida num conjunto de rituais, instituições e práticas.

7) O(s) Movimento(s) de Jesus:

→ Seita(s) judaica(s) formada(s) em torno dum rabino – um hassid – galileu: Jesus de Nazaré.

→ Seitas sempre surgem dentro de comunidades de fé com a qual compartilham um conjunto básico de crenças e práticas, ao mesmo tempo em que mantêm uma tensão permanente que se manifesta de diferentes formas: controvérsias em crenças/práticas, tendências proselitistas.


8) O mamzer Jesus

→ Nascido c. 7-2 a.E.C., em Belém (“casa de pão”) da Galileia, próximo a Nazaré – e não em Belém da Judeia, próximo a Jerusalém.
→ Filho de Maria (Miriam) de Nazaré – uma jovem (παρθένος, parthenos – Mateus 1:23) de cerca de 13 anos – e de José (Yosef) de Belém (da Galileia) – um viúvo mais velho (?).
→ Condenado e morto c. 30-36 E.C., em Jerusalém.
→ “A origem de Jesus, o Messias, foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. José, seu marido, era justo. Não queria denunciar Maria, e pensava em deixá-la, sem ninguém saber.” (Mateus 1:18-19)
→ “Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão?[...]” (Marcos 6:3)
→ “Nenhum bastardo [mamzer] poderá entrar na assembleia de Javé, e seus descendentes até a décima geração não poderão entrar na assembleia de Javé.” (Deuteronômio 23:3)
→ “[...]Mamzerim e netinim são inelegíveis [para se casarem com a filha de um israelita], e sua inelegibilidade é para sempre, sejam homens ou mulheres.” (Mishnah Yebanot 8:3)

9) Quem foi o pai de Jesus?

O Novo Testamento oferece 3 explicações p/a concepção de Jesus:
→ 1) Intervenção do Espírito Santo (por meio dum mecanismo desconhecido) – sua mãe não tivera relações sexuais c/ um homem: Lucas 1:34-35; Mateus 1:18-25.
→ 2) Jesus era, de fato, filho de José: João 1:45; 6:42; Lucas 4:22; Mateus 1:1-17 e Lucas 3:23-38 (genealogias que só poderiam ter sido desenvolvidas c/ base nessa suposição) – os ajustes em Mt. 1:16 e Lc. 3:23 parecem ser posteriores. A identidade de Jesus como filho de Davi – Mateus 1:1; 9:27; 12:23; 15:22; 20:30-31; 21:9, 15; Marcos 10:47-48; Lucas 18:38-39; Romanos 1:3; 2 Timóteo 2:8; Apocalipse 5:5; 22:16 – implicitamente invoca essa noção, já que apenas José poderia mediar essa linhagem (Mateus 1:20; Lucas 1:27, 32; 2:4).
→ 3) Jesus foi acusado, por alguns de seus adversários, de ser fruto de “fornicação” (porneia) – João 8:41 –, e tal acusação é frequentemente vista como a base p/a omissão de José na identificação de Jesus em Marcos 6:3.

A explicação 2 – a paternidade de José – fundamentará nossas reflexões.