sábado, 30 de junho de 2012

Mitos cosmogônicos na visão dum cientista

“[...] esses mitos encerram todas as respostas lógicas que podem ser dadas à questão da origem do Universo, incluindo as que encontramos em teorias cosmológicas modernas. Com isso não estou absolutamente dizendo que a ciência moderna está meramente redescobrindo a antiga sabedoria, mas que, quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas, podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as ideias são as mesmas.

[…]

Uma vez que nos perguntamos sobre a origem do Universo, encontrar uma resposta se torna muito tentador. O caminho que cada indivíduo escolhe depende, sem dúvida, de quem está fazendo a pergunta. Uma pessoa religiosa vai procurar respostas dentro do contexto de alguma religião, que poderá ser tanto uma religião organizada como uma versão mais pessoal. O ateu tentará, talvez, achar uma resposta dentro de um contexto científico. Religiosas ou não, certamente a maioria das pessoas terá uma resposta. O veículo encontrado por várias culturas foi o mito. Mitos são histórias que procuram viabilizar ou reafirmar sistemas de valores, que não só dão sentido à nossa existência como também servem de instrumento no estudo de uma determinada cultura.
[…]
Esses exemplos mostram que o poder de um mito não está em ele ser falso ou verdadeiro, mas em ser efetivo. Isso não pode ser mais verdade do que quando nos deparamos com os mitos de Criação (ou cosmogônicos – do grego kosmogonos), que abordam o problema da origem do Universo. É claro que, quando diferentes culturas tentam formular uma explicação para a origem de “tudo”, elas têm de usar uma linguagem essencialmente metafórica, baseada em símbolos que têm significado dentro da cultura geradora do mito. Metáforas também são comuns em ciência, especialmente a ciência que explora fenômenos alheios à nossa percepção sensorial, como por exemplo no mundo do muito pequeno e do muito rápido, o domínio da física atômica e subatômica.

Isso explica por que mitos de determinadas culturas podem parecer completamente sem sentido em outras. De fato, um erro bastante comum é usarmos valores ou símbolos da nossa cultura na interpretação de mitos de outras culturas. Outro erro grave é interpretar um mito cientificamente, ou tentar prover mitos com um conteúdo científico. Os mitos têm que ser entendidos dentro do contexto cultural do qual fazem parte. […]

Devido ao seu profundo significado, os mitos de criação nos fornecem um retrato fundamental de como determinada cultura percebe e organiza a realidade à sua volta. [...]” (GLEISER, Marcelo. A dança do Universo: dos mitos de criação ao Big-Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 14-15, 19-21.)

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