segunda-feira, 4 de junho de 2012

Os relatos da Criação no Gênesis (cap. 1 - 3)





[NOTA: Estes seguintes capítulos do livro de Gênesis são essenciais para nossas discussões em sala. É importante que os participantes se familiarizem com eles. Não acrescentarei nenhum comentário a esses textos (assim como todos os outros publicados aqui), sua discussão será feita durante nossos encontros.]

Capítulo 1

1. No princípio, Deus criou o céu e a terra.
2. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas.
3. Deus disse: "Haja luz" e houve luz.
4. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas.
5. Deus chamou à luz "dia" e às trevas "noite". Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.
6. Deus disse: "Haja um firmamento no meio das águas e que ele separe as águas das águas", e assim se fez.
7. Deus fez o firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento,
8. e Deus chamou ao firmamento "céu". Houve uma tarde e uma manhã: segundo dia.
9. Deus disse: "Que as águas que estão sob o céu se reúnam numa só massa e que apareça o continente" e assim se fez.
10. Deus chamou ao continente "terra" e à massa das águas "mares", e Deus viu que isso era bom.
11. Deus disse: "Que a terra verdeje de verdura: ervas que deem semente e árvores frutíferas que deem sobre a terra, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente" e assim se fez.
12. A terra produziu verdura: ervas que dão semente segundo sua espécie, árvores que dão, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente, e Deus viu que isso era bom.
13. Houve uma tarde e uma manhã: terceiro dia.
14. Deus disse: "Que haja luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite; que eles sirvam de sinais, tanto para as festas quanto para os dias e os anos;
15. que sejam luzeiros no firmamento do céu para iluminar a terra" e assim se fez.
16. Deus fez os dois luzeiros maiores: o grande luzeiro para governar o dia e o pequeno luzeiro para governar a noite, e as estrelas.
17. Deus os colocou no firmamento do céu para iluminar a terra,
18. para governarem o dia e a noite, para separarem a luz e as trevas, e Deus viu que isso era bom.
19. Houve uma tarde e uma manhã: quarto dia.
20. Deus disse: "Fervilhem as águas um fervilhar de seres vivos e que as aves voem acima da terra, sob o firmamento do céu" e assim se fez.
21. Deus criou as grandes serpentes do mar e todos os seres vivos que rastejam e que fervilham nas águas segundo sua espécie, e as aves aladas segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom.
22. Deus os abençoou e disse: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a água dos mares, e que as aves se multipliquem sobre a terra."
23. Houve uma tarde e uma manhã: quinto dia.
24. Deus disse: "Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie" e assim se fez.
25. Deus fez as feras segundo sua espécie, os animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom.
26. Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra".
27. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.
28. Deus os abençoou e lhes disse: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra."
29. Deus disse: "Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente: isso será vosso alimento.
30. A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas" e assim se fez.
31. Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: sexto dia.

Capítulo 2

1. Assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu exército.
2. Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera.
3. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele descansou depois de toda a sua obra de criação.
4. Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados. No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu,
5. não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo.
6. Entretanto, um manancial subia da terra e regava toda a superfície do solo.
7. Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.
8. Iahweh Deus plantou um jardim em Éden, no oriente, e aí colocou o homem que modelara.
9. Iahweh Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
10. Um rio saía de Éden para regar o jardim e de lá se dividia formando quatro braços.
11. O primeiro chama-se Fison; rodeia toda a terra de Hévila, onde há ouro; 
12. é puro o ouro dessa terra na qual se encontram o bdélio e a pedra de ônix.
13. O segundo rio chama-se Geon: rodeia toda a terra de Cuch.
14. O terceiro rio se chama Tigre: corre pelo oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates.
15. Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden pára o cultivar e o guardar.
16. E Iahweh Deus deu ao homem este mandamento: "Podes comer de todas as árvores do jardim.
17. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer.
18. Iahweh Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda."
19. Iahweh Deus modelou então, do solo, todas as feras selvagens e todas as aves do céu e as conduziu ao homem para ver como ele as chamaria: cada qual devia levar o nome que o homem lhe desse.
20. O homem deu nomes a todos os animais, às aves do céu e a todas as feras selvagens, mas, para o homem, não encontrou a auxiliar que lhe correspondesse.
21. Então Iahweh Deus fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu. Tomou uma de suas costelas e fez crescer carne em seu lugar.
22. Depois, da costela que tirara do homem, Iahweh Deus modelou uma mulher e a trouxe ao homem.
23. Então o homem exclamou: "Esta, sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne! Ela será chamada 'mulher', porque foi tirada do homem!"
24. Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne.
25. Ora, os dois estavam nus, o homem e sua mulher, e não se envergonhavam.

Capítulo 3

1. A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: "Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?"
2. A mulher respondeu à serpente: "Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim.
3. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte."
4. A serpente disse então à mulher: "Não, não morrereis!
5. Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal."
6. A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava e ele comeu.
7. Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram.
8. Eles ouviram o passo de Iahweh Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam da presença de Iahweh Deus, entre as árvores do jardim.
9. Iahweh Deus chamou o homem: "Onde estás?", disse ele.
10. "Ouvi teu passo no jardim," respondeu o homem; "tive medo porque estou nu, e me escondi."
11. Ele retomou: "E quem te fez saber que estavas nu? Comeste, então, da árvore que te proibi de comer!"
12. O homem respondeu: "A mulher que puseste junto de mim me deu da árvore, e eu comi!"
13. Iahweh Deus disse à mulher: "Que fizeste?" E a mulher respondeu: "A serpente me seduziu e eu comi."
14. Então Iahweh Deus disse à serpente: "Porque fizeste isso és maldita entre todos os animais domésticos e todas as feras selvagens. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua vida.
15. Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar."
16. À mulher ele disse: "Multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos. Teu desejo te impelirá ao teu marido e ele te dominará."
17. Ao homem, ele disse: "Porque escutaste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te proibira, comer, maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos dele te nutrirás todos os dias de tua vida.
18. Ele produzirá para ti espinhos e cardos, e comerás a erva dos campos.
19. Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás."
20. O homem chamou sua mulher "Eva", por ser a mãe de todos os viventes.
21. Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu.
22. Depois disse Iahweh Deus: "Se o homem já é como um de nós, versado no bem e no mal," que agora ele não estenda a mão e colha também da árvore da vida, e coma e viva para sempre!"
23. E Iahweh Deus o expulsou do jardim de Éden para cultivar o solo de onde fora tirado.
24. Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim de Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida.



BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: Revisada. São Paulo: Paulus, 2002.

sábado, 2 de junho de 2012

Para pensar o fazer historiográfico


[NOTA: Não acrescentarei nenhum comentário a esses textos (assim como todos os outros publicados aqui), sua discussão será feita durante nossos encontros.] 

“[...] O historiador não é um cientista num laboratório, onde agentes e catalisadores podem ser isolados e testados em experiências controladas, e sim um artista que enfrenta um mundo confuso, um imenso panorama de contingências.[...]” (COLLINSON, Patrick. A Reforma. Tradução S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. p.229.)



História é algo bem distinto de fatos. Os historiadores não perguntam apenas “O que aconteceu?”, mas também “Por quê?”, “Como?” e “Quais foram as consequências?” Usam, então, as respostas a estas e a outras questões para criar os elos de cadeias de eventos, formando uma narrativa contínua. É a partir dessas perguntas e das conclusões a que os historiadores chegam que o passado se torna, para a maioria de nós, um campo muito mais compreensível.” (PARKER, Philip. Guia ilustrado Zahar: História Mundial. Tradução Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 14.)



O processo histórico nos ajuda a ver que os eventos da história não ocorrem isoladamente. Nem a fé cristã se desenvolveu isoladamente. Em vez disso, a história ocorre no contexto da cultura. Os sociólogos dizem que uma cultura é a forma de vida característica de um grupo. Uma cultura inclui as criações físicas de um povo e seus comportamentos e crenças aprendidos e compartilhados.
[…]
Os historiadores sabem que essa rede de padrões complexos e mutantes se estende para além do momento presente. Algo que acontece agora pode estar relacionado com eventos e mudanças no passado distante. Certas ligações entre esses eventos presentes e passados podem, então, ser estabelecidas. Pode-se até mesmo dizer que o presente “nasceu” do passado. Assim, os historiadores veem o processo histórico como uma rede inter-relacionada de pessoas, ideias, e instituições onde existem mudança e continuidade. É nessa rede dinâmica que os eventos da história ocorrem.” (PETERSON, R. Dean. A Concise History of Christianity. Belmont, EUA: Wadsworth, 1993. p. 3-4.)



“Por ser um produto humano, todo produto historiográfico baseia-se necessariamente em toda uma série de escolhas e decisões pessoais, que de alguma maneira são condicionadas (observe-se que evitamos a palavra determinação). Toca-se aqui uma problemática que, na terminologia habitual, é a do subjetivismo e da exigência e da possibilidade de uma historiografia objetiva. Essa terminologia – ainda que válida e inevitável in philosophicis – leva a muita confusão e mal-entendidos se utilizada fora do ambiente da discussão “técnica”.
[…] Com a expressão “objetivo” entenderemos aquilo que não depende (mais) de nossa escolha, ou melhor, criação: “definimos a 'realidade' uma característica própria daqueles fenômenos que reconhecemos como independentes de nossa vontade (ou seja, não podemos 'fazê-los desaparecer simplesmente desejando que desapareçam')”; in historicis seriam os fatos que aconteceram e que são lembrados, e, portanto, passíveis de constatação: em 818 morre Carlos Magno; em 1776, as Colônias britânicas na América do Norte declaram sua independência. Deve-se constatar que esses fatos objetivos são sempre mediados de uma forma subjetiva; somente pessoas – sujeitos – podem transmitir o conhecimento desses fatos, ainda que utilizem objetos para a comunicação desse conhecimento. Mas aqui subjetividade não significa “invenção”, “distorção”, “fantasia”, “emoção”. E tampouco um julgamento pessoal (“Carlos Magno era um grande homem”); mesmo sendo uma mediação subjetiva, por essa razão não é necessariamente uma invenção, ainda que se passe do constatável ao opinável. Poder-se-ia evitar a confusão a respeito da exigência de “objetividade” do historiador falando de sua honestidade como característica a ser constatada ou exigida: ele não deve esconder, ou pior, destruir os dados que não se enquadram em sua maneira de pensar, não deve inventar ou mudar os dados. Claramente, a honestidade por si só não basta, é preciso também a seriedade.” (CHAPPIN, Marcel. Introdução à História da Igreja. Tradução Pier Luigi Cabra. São Paulo: Loyola, 1999. p. 71-72.)



[...] Não é necessário que dois historiadores que abordem um mesmo assunto cheguem a resultados comuns – é indispensável que o diálogo objetivo, racional e documentado possa se dar entre os dois, de tal forma que ambos compreendam onde se separam, por que se separam e como chegaram a resultados diferentes. Se há resultados diferentes é porque houve problematização diferente, hipóteses diferentes, uso diferente da documentação, mesmo que tenha sido a mesma. Entretanto, se essa diferença pode ser comunicada, se é racional, torna-se conhecimento.[...] (REIS, José Carlos. História & Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 87.)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Problematizando o sentido do termo "Cristianismo"

[NOTA: Não acrescentarei nenhum comentário ao texto seguinte (assim como todos os outros publicados aqui), sua discussão será feita durante nossos encontros.]
 
“Talvez não seja supérfluo destacar também que doutrinas ou tendências que são designadas por nomes familiares terminados em -ismo ou -idade em geral não o são, embora ocasionalmente possam ser, unidades do tipo que o historiador de ideias procura discriminar. Pelo contrário, elas constituem comumente compostos aos quais seu método de análise precisa ser aplicado. Idealismo, romantismo, racionalismo, transcendentalismo, pragmatismo – todos esses termos problemáticos e normalmente obscurecedores do pensamento, que às vezes se desejaria ver expurgados do vocabulário do filósofo e do historiador, conjuntamente, são nomes de elementos complexos, e não de elementos simples – e de complexos em dois sentidos. Eles designam, via de regra, não uma doutrina, mas várias doutrinas distintas e frequentemente conflitantes, sustentadas por diferentes indivíduos ou grupos a cujos modos de pensar essas designações foram aplicadas, ou por esses próprios ou na terminologia tradicional dos historiadores. E cada uma dessas doutrinas, por sua vez, é suscetível de ser decomposta em elementos mais simples, frequentemente combinados de maneira muito estranha e derivados de uma variedade de motivos e influências históricas diferentes. O termo “Cristianismo”, por exemplo, não é o nome de nenhuma unidade simples do tipo pelo qual o historiador de ideias específicas procura. Com isso quero indicar não só o fato notório de que pessoas que igualmente professaram o Cristianismo e chamaram a si mesmas de cristãs mantiveram, no curso da história, toda a espécie de crenças distintas e conflitantes agrupadas sob esse nome, mas também que qualquer uma dessas pessoas e seitas mantiveram, via de regra, sob esse nome um conjunto de ideias muito variadas, cuja combinação dentro de um conglomerado que traz um único nome e que se supunha constituir uma unidade real foi em geral o resultado de processos históricos de um gênero altamente complicado e curioso. Evidentemente, é apropriado e necessário que os historiadores eclesiásticos escrevam livros sobre a história do Cristianismo; mas ao fazê-lo dessa maneira eles têm escrito sobre uma série de fatos que, tomados como um todo, não têm quase nada em comum, a não ser o nome; a parte do mundo em que ocorreram; a reverência a certas pessoas, cuja natureza e doutrina, entretanto, têm sido muito diversamente compreendidas, de modo que, aqui também, a unidade é em grande parte uma unidade de nome; e a identidade de uma parte de seus antecedentes históricos, de certas causas ou influências, as quais, combinadas diversamente com outras causas, fizeram cada um desses sistemas de crenças ser o que é. Em toda a série de credos e movimentos agrupados sob o mesmo nome, e em cada um deles separadamente, é necessário ir além da aparência superficial de unicidade e identidade, para quebrar a concha que mantém a massa unida, se quisermos ver as unidades reais, as ideias que operam efetivamente e que estão presentes em qualquer caso dado.” (LOVEJOY, Arthur O. A Grande Cadeia do Ser: Um Estudo da História de Uma Ideia. Tradução Aldo Fernando Barbieri. São Paulo: Palíndromo, 2005. p. 15-16.)


A diversidade pode ser facilmente explicada no aqui e agora em termos de distância geográfica, diferença cultural, e caminhos diferentes para o desenvolvimento social e econômico. Contudo, a perspectiva histórica oferece uma visão particularmente indispensável a toda essa variedade. Onde houver um desacordo moderno sobre uma questão de política, os antecedentes históricos dos argumentos apresentados podem esclarecer porquê as pessoas pensam como pensam. Algumas divisões na Igreja são meramente o legado de fraturas sobre o que pareciam, em épocas passadas, ser princípios absolutamente fundamentais, mas que não mais correspondem às preocupações modernas. Se se percebe a distância entre a presente era e aquelas nas quais as rupturas ocorreram, a reconciliação pode ser mais fácil de alcançar. Por outro lado, as atitudes de cristãos do passado para com alguns temas, ou mesmo sua completa falta de interesse por uma questão que agora pareça crucial, pode parecer tão estranho que as desacordos presentes sobre temas “modernos” sejam insignificantes. […] Aprende-se a perceber o próprio passado como se este fosse uma cultura estranha: mas não se pode descartá-lo como meramente um “outro”, pois é a fonte da experiência moderna, ao mesmo tempo em que é estranho a ela. O estudo histórico também pode proteger contra o abuso de a evidência textual ser retirada de seu contexto original, um vício teológico que afetou as igrejas no passado.

Entretanto, observar a história das igrejas também representa um desafio ao observador. Até mesmo um secular que não seja cristão pode desejar saber, como mera questão de compreensão analítica, qual desses múltiplos sistemas de crença representa o Cristianismo em sua forma mais típica e característica. Como definir o Cristianismo? Para o devoto, entretanto, a questão é ainda mais premente. Quão seguro pode se sentir o membro de uma comunidade distinta do movimento cristão de que tenha absorvido a essência do que seja a promessa do evangelho? Quão importante é ser um membro desta ou daquela tradição contínua, ou de qualquer outra? Se as divergências entre diferentes tradições cristãs derivam (como muitas delas) de divergências teológicas ou institucionais indiscutivelmente obsoletas, por que dar prioridade a uma tradição em detrimento de outra? Por que manter tantas tradições distintas existindo?” (CAMERON, Euan. Interpreting Christian History: The Challenge of the Churches' Past. Malden, EUA: Blackwell, 2005. p. 4.)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Bibliografia



 

AGOSTINHO (Santo). Confissões. Tradução de J. Oliveira e A. Ambrósio de Pina. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

_______. The literal meaning of Genesis. Tradução de John H. Taylor. In: QUASTEN, J. et al. (Ed.). Ancient Christian Writers: The works of the Fathers in translation, N° 41 e 42. Nova York, EUA: Newman Press, 1983.

BARTLETT, John R. Archaeology and Biblical Interpretation. Nova York, EUA: Routledge, 1997.

BERCOT, David W. (Ed.). A dictionary of early Christian beliefs: a reference guide to more than 700 topics discussed by the Early Church Fathers. Peabody, EUA: Hendrickson Publishers, 1998.

BETTENSON, Henry (Ed.). Documents of the Christian Church. Nova York, EUA: Oxford University Press, 1967.

BÍBLIA, N. T. Grego. The Greek New Testament. 4. ed. rev. Stuttgart, Alemanha: Deutsche Bibelgesellschaft, 2001.

BÍBLIA. Inglês. The New American Bible. Tradução: National Conference of Catholic Bishops / United States Catholic Conference. Toronto, Canadá: World Catholic Press, 1991.

_______. Latim. Biblia Sacra: iuxta vulgatam versionem. 4. ed rev. Stuttgart, Alemanha: Deutsche Bibelgesellschaft, 2003.

_______. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.

_______. Português. Bíblia de Jerusalém: Revisada. São Paulo: Paulus, 2002.

BOSWELL, John. Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality: Gay people in Western Europe from the beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century. Chicago, EUA: University of Chicago Press, 1980.

_______. Same-sex Unions in Premodern Europe. Nova York, EUA: Vintage Books, 1995.

CAMERON, Euan. Interpreting Christian History: The Challenge of the Churches' Past. Malden, EUA: Blackwell, 2005.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria; Paulus; 1998. [ed. revisada de acordo com o texto oficial em latim].

CHILTON, Bruce. Rabbi Jesus: an intimate biography. Nova York, EUA: Doubleday, 2002.

DUBARLE, A. M. The Biblical doctrine of original sin. Nova York, EUA: Herder and Herder, 1965.

EHRMAN, Bart D.  O que Jesus disse? O que Jesus não disse?: Quem mudou a Bíblia e por quê?. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

_______. Evangelhos Perdidos: as batalhas pela Escritura e os cristianismos que não chegamos a conhecer. Rio de Janeiro: Record, 2008.

FURNISH, Victor Paul. The Moral Teaching of Paul: Selected Issues. Nashville, EUA: Abingdon, 1985.


GLEISER, Marcelo. A dança do Universo: dos mitos de criação ao Big-Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


_______. O fim da Terra e do Céu: o Apocalipse na Ciência e na Religião. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

GORDAY, Peter. Principles of Patristic Exegesis: Romans 9-11 in Origen, John Chrysostom and Augustine. Nova York, EUA: Mellen Press, 1983.

GRANT, Robert M. Early Christianity and Society: Seven Studies. São Francisco, EUA: Harper & Row, 1977.

HELMINIAK, Daniel A. What the Bible really says about homosexuality. São Francisco, EUA: Alamo Square Press, 1994.

JOHNSON, Luke Timothy. The writings of the New Testament: an interpretation. Nova York, EUA: SCM Press, 1999.

KRENTZ, Edgar. The Historical-Critical Method. Filadélfia, EUA: Fortress Press, 1975.

LOVEJOY, Arthur O. A grande cadeia do ser: um estudo da história de uma ideia. Tradução Aldo Fernando Barbieri. São Paulo: Palíndromo, 2005.

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PAPAGEORGIOU, Panayiotis. Chrysostom and Augustine on the sin of Adam and its consequences. In: St. Vladimir’s Theological Quarterly 39.4, 1995. p. 361-378.

PETERSON, R. Dean. A Concise History of Christianity. Belmont, EUA: Wadsworth, 1993.

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RAMM, Bernard. Offense to Reason: the theology of sin. São Francisco, EUA: Harper & Row, 1985.

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ROGERSON, J. W. O Livro de Ouro da Bíblia: origens e mistérios do livro sagrado. Tradução Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: PocketOuro, 2011.

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SCHAFF, Philip (Ed.). Ante-Nicene Fathers, vol. 1-7. Grand Rapids, EUA: CCEL, 2003.

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TANNAHILL, Reay. Sex in History. Nova York, EUA: Stein and Day, 1982.

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WARE, Kallistos. The Orthodox Way. ed. rev. Nova York, EUA: St. Vladimir's Seminary Press, 1995.

WHITE, L. Michael. From Jesus to Christianity: how four generations of visionaries & storytellers created the New Testament and Christian Faith. Nova York, EUA: HarperCollins, 2004.

WILLIAMS, Norman Powell. The ideas of the fall and of original sin: a historical and critical study. Nova York, EUA: Ams Press, 1980.

Programa



Objetivo: Analisar o desenvolvimento das ideias cristãs sobre a sexualidade humana, a liberdade e o pecado a partir das controvérsias que sacudiram os primeiros séculos da comunidade cristã até a época de Agostinho de Hipona (séc. V E.C.), e compreender como essas ideias moldaram as atitudes ocidentais para com esses temas.

Metodologia: Exposição do tema, análise de textos, discussões em micro-grupos e debates.

Duração: 15 h – 5 encontros


Data: 2 (segunda-feira) a 6 (sexta-feira) de julho de 2012 - 14h00 - 17h00


Local: Auditório da Pró-Reitoria de Atividades de Extensão - PRAE, UFRPE (próximo à Biblioteca Central)


Organização e Promoção: Ciclo Acadêmico de História da UFRPE (Maiores informações e inscrições na página do minicurso no sítio do C.A.  http://cahisufrpe.blogspot.com.br/2012/05/minicurso-serpente-e-maca-sexualidade.html  )

Programação:

1 – A Mulher, o Homem e a Maçã: Adão e Eva no Jardim e suas diferentes interpretações.
  • Conceitos básicos: o movimento de Jesus, Cristianismo, dogma, teologia;
  • O Cristianismo e suas fontes teológicas;
  • Escritura e Interpretação na tradição cristã;
  • As narrativas da Criação do Gênesis (capítulos 1 a 3);
  • Perspectivas cristãs acerca dessa narrativa nas leituras de Justino de Nablus e Clemente de Alexandria.

2 – Ortodoxos e Hereges: Interpretações gnósticas de Adão e Eva.
  • Ortodoxia e heresia na tradição cristã;
  • Os gnósticos;
  • Gnósticos valentinianos e sua leitura das Escrituras;
  • Leituras.

3 – A Liberdade dos Santos: por que escolher o celibato?
  • Ascetismo cristão e a renúncia ao sexo;
  • Joviniano e suas disputas com Jerônimo, Ambrósio e Agostinho;
  • O natural e o não-natural;
  • Leituras.

4 – A Interpretação de Agostinho: da liberdade ao pecado original.
  • Um homem chamado Agostinho;
  • O Jardim do Éden: uma narrativa da escravidão humana;
  • A teoria do pecado original e uma interpretação sexualizada do pecado;
  • Leituras.

5 – A Vitória de Agostinho: a visão de natureza de Agostinho moldando o prazer, o sofrimento e a morte na cultura Ocidental.
  • A permanência do pensamento de Agostinho;
  • Como o pensamento de Agostinho influencia nossas concepções ocidentais;
  • Leituras.

Apresentação


Neste minicurso refletiremos acerca do desenvolvimento das ideias cristãs sobre sexualidade, liberdade e pecado, a partir dos conflitos teológicos que emergiram nos primeiros anos do movimento de Jesus e que continuaram à medida em que o “Cristianismo” tomou forma nas comunidades gentias do mundo greco-romano, até o século V da Era Comum, e que influenciaria permanentemente a visão de mundo das “sociedades ocidentais”.

Em nossas discussões não nos centraremos na mensagem de Jesus per se, mas nos elementos práticos da mensagem que lhe foi atribuída, principalmente como ele e seus seguidores posteriores liam esses elementos na narrativa bíblica da Criação. Exploraremos as atitudes dos primeiros cristãos para com o casamento, a procriação, o sexo em geral e o celibato, e, em consequência, para com a “natureza humana” de forma geral, e as controvérsias que essas atitudes originaram à medida em que diferentes interpretações delas surgiram entre os cristãos através dos séculos.

Para que possamos compreender o radicalismo da mensagem atribuída ao personagem principal da história cristã – o próprio Jesus de Nazaré –, analisaremos brevemente alguns aspectos relativos à pessoa de Jesus nas próprias narrativas evangélicas que frequentemente são ignoradas pelo leitor “leigo” (e mesmo muitos daqueles mais teologicamente treinados), e que são essenciais para que possamos compreender não só sua mensagem (que, como dito anteriormente, não é o foco aqui), como também a teologia desenvolvida por seus seguidores posteriores. Analisaremos, para tanto, alguns textos da tradição judaica – Torah, Mishnah e Talmud –, assim como os textos básicos da tradição cristã: textos do Novo Testamento e aqueles relacionados aos Padres da Igreja.

Pessoalmente, acredito que as quinze horas destinadas a este minicurso possibilitem apenas uma brevíssima introdução ao tema nele abordado, e, assim, os participantes que nunca tiveram contato com as questões aqui tratadas a partir da própria tradição cristã, concluirão o mesmo com mais questões do que respostas. Confesso, contudo, que esta é exatamente nossa intenção: esperamos que os participantes possam descobrir outras maneiras de abordar a tradição cristã e sua relação com a maneira como as sociedades ocidentais compreendem questões tão essenciais à humanidade – e possam, a partir disso, fazer perguntas mais criativas e, se for de seu interesse, encontrar outros caminhos de investigação.

Espero que o curto espaço que teremos juntos, durante os cinco dias de encontro, possam ser úteis para todos os envolvidos. Nestas páginas, vocês encontrarão materiais referentes ao minicurso, e estarei disponível para responder quaisquer questões relativas aos temas que trataremos. Sintam-se à vontade para fazerem comentários, levantarem questões etc.

Desde já, agradeço ao Ciclo Acadêmico de História da UFRPE (instituição onde estudo) pelo convite e oportunidade para tratar o tema fora de meu ambiente teológico, e, especialmente, aos meus colegas e amigos do curso de História por todo o apoio e incentivo a essa empreitada.

Gibson da Costa